2010/03/31

Falar francês e tocar piano


 
"Fiz o curso geral dos liceus, mas já não tive tempo de ir para a universidade, porque casei aos 19 anos. 

Tive uma preceptora de francês desde pequenita, dos 8 aos 12 anos, mas eu ia à mesma para a escola. Era a Dona Henriqueta. Não vivia lá em casa, mas ia-me buscar, passeava comigo. Era portuguesa, mas a família vivia toda em França. Era como se fosse francesa. Foi uma grande amiga que eu tive. Coitada, era viciada em morfina. Sempre a meter no nariz - havia um médico em Castelo Branco, que também era. Não era frequente, mas havia assim uns casos esporádicos. 

A minha preceptora era uma mulher com uma cultura geral fantástica. Íamos passear para o jardim botânico, e ela dava-me lições de botânica. Dava lições de tudo, francês, inglês... o  francês era o meu forte. Os meus sogros (que viviam numa aldeia) diziam ao meu marido: Trazes para cá uma menina que só sabe tocar piano e falar francês. De que é que isso serve, aqui? Passei muito! 
 
Eram muito mal vistas as meninas da cidade. Sabe porquê? Porque os rapazes já estavam muitas vezes destinados às primas, para juntarem as fortunas. Casavam primos com primos e havia muitos tarados, muita gente com doenças de pele. Já estava destinada a que haveria de casar com ele. A rapariga tinha-me um ódio! Quando eu passava batia com as janelas. Era um sarilho. 
 
Quando cheguei fui muito mal vista naquela terra. Depois comecei a cativá-los, fiz amigos do peito, naquela gente do povo. Sabiam que eu gostava de antiguidades e apareciam-me lá com as coisas. Tive saudades daquilo quando me vim embora". 
Anónima, Mulher, 84 anos, Lisboa 

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